domingo, 4 de maio de 2014

Alma de Menino




Chicama, Peru - Era provavelmente o verão do ano de 1987, estava por volta dos quatorze anos de idade e havia me encantado com um esporte relativamente novo para o grande público e também era um pouco exótico para um adolescente de São Paulo, por ser um esporte marítimo. Era o surfe, o esporte em que se desliza pela crista da onda com uma prancha feita de fibra com quilhas na parte de baixo da prancha.

Naquela época só se via o surfe nas praias ou pelas revistas especializadas. Eu havia começado a aprender há pouco tempo, sempre quando ia à praia com meus pais que naquela época tinham uma casa na tranquila praia do Guaiúba no Guarujá, umas das cidades que foram palco do surgimento do esporte.

Um dia ao ir ao mercado com minha mãe passei por uma banca de jornal é vi uma edição especial da Revista Fluir sobre viagens. Eram matérias recheadas de fotos dos lugares mais exóticos do planeta, onde havia ondas perfeitas para o surfe. Naquela época as revistas eram muito caras e tive que implorar por vários dias até que minha mãe me desse o dinheiro para comprar a tal revista.

E com a revista em mãos, tive a primeira visão do paraíso. Uma onda sem fim, muito longa e extremamente perfeita, num lugar isolado ao norte do Peru. Um lugar inóspito, extremamente seco e sem vegetação alguma, rodeado por uma montanha rochosa e dunas de areia. A matéria era taxativa: a onda mais perfeita e longa do planeta Terra.

Nessa época eu já havia me tornado um "viciado" no esporte. Mal sabia eu que o surfe é muito mais que um esporte. É um estilo de vida. É uma forma de expressão. É arte com o corpo em movimento. É pura liberdade. E que minha vida seria marcada para sempre pelo esporte dos antigos reis da Polinésia.

O surfe me conectou com pessoas, com lugares e definitivamente com o mar. A paixão pelo mar, pela aventura, por conhecer o mundo, acabou por determinar meus caminhos, meus amigos e os lugares por onde passei. Pessoas maravilhosas que conheci e lugares como México, Indonésia, Havaí, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador, Califórnia, e quase toda a costa do litoral brasileiro.

E se passaram vinte e sete anos, inúmeras viagens, amigos e ondas surfadas. Mas eis que Chicama, no Perú, a tal onda da revista havia se perdido. Por uma razão inexplicável tinha ficado para trás. Mas a vida é algo realmente mágica e sempre reservas surpresas.

E são essas surpresas da vida que a tornam encantadora. Há cerca de dois meses atrás, recebo a ligação de um amigo de infância, Marcelo, vizinho da casa de praia dos meus pais no Guarujá, me chamando para um viagem justamente àquela onda dos meus sonhos. Exatos um ano meio depois de ter descoberto um tumor na cabeça que quase me matou. Depois de uma recuperação difícil e de uma separação dolorida de um relacionamento de quinze anos. A vida me brinda com um amigo me chamando para realizar um sonho de menino, esquecido dentro de mim pelo tempo e pelas coisas da vida.

E cá estou, pela primeira vez no Peru, ao norte, longe da capital Lima, da turística Cuzco. No interior pobre, isolado. Conhecendo um povo amável, verdadeiro. Novos amigos como Percy, Junior, Alberto, Lizbeth. E também surfistas, como Enrique da cidade maravilhosa, Miguel da Venezuela, argentinos, brasileiros de Santa Catarina, de Londrina e tantos outros.

Uma emoção que nunca vou esquecer. Aos quarenta e um anos de idade. Ao entrar no gelado mar do pacífico, na mítica onda peruana, eu me senti como se tivesse de novo quatorze anos de idade, como se não tivesse passado nada entre o dia em que comprei aquela revista e esse dia mágico em que surfei a primeira onda aqui. Estar em Chicama é a realização de um sonho. Estar aqui com um grande amigo   é viver uma experiência que me trouxe algo que nunca imaginei que traria. Trouxe de volta a minha alma de menino. 

                                                                                                            30/04/2014