terça-feira, 26 de março de 2013

Papai por que a gente nasce ?


Lá estou eu, umas oito horas da noite, comendo um jantar básico num dia qualquer da semana quando vem ele, meu pequeno professor de seis anos de idade e manda, como diz a gíria, na bucha, a fatídica pergunta: "Papai porque a gente nasce?" Confesso que já estava acostumado aos porquês dessa pequena criatura mas fui pego de surpresa.

A questão existencial da humanidade: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Borbulhando nessa criança que ontem mesmo usava fraldas me tirou daquele torpor em que noventa e nove por cento da humanidade vive. Vivemos tão alienados, preocupados com as contas para pagar, comprar, trabalhar, em ver a novela, o futebol, sexo, enfim, em encher nossos egos com tudo aquilo que nos distrai, que na verdade não pensamos,  não enxergarmos a vida com consciência, não vivermos plenamente.

Esse pensamento me veio como um raio, percebi que tinha abandonado essa questão há muitos anos. Quando mais jovem sempre fui muito questionador, existencialista mesmo, mas não do tipo sartriano. Era mais otimista digamos assim. Buscava saciar a minha sede de respostas na literatura. Li muito livros de filosofia, esoterismo, literatura, história, geografia e romances de todo o tipo. Me deslumbrei com os filósofos no início, mas depois de alguns anos me pareciam meio vazios. Das religiões pouco tirei. Não sigo nenhuma religião. Me atrai a filosofia cristã, budista e espírita. Para mim faz sentido coisas como reencarnação, lei da causa e efeito e imortalidade da alma.

Nesse ofício de pai temos uma surpresa a cada dia. Vamos evoluindo junto com os nossos filhos. Esse meu pequeno é realmente um desafio. Talvez todas as crianças desafiem a inteligência e sabedoria dos pais. E quanto menor o filho, mais o pai se acha sabichão. No meu caso, desde muito cedo me acostumei ao jeito questionador desse garotinho que não aceita que as coisas sejam simplesmente impostas, sem muita explicação.

Fiquei por segundos olhando aquele menino de sorriso largo, altivo, ávido por conhecer tudo e que adora fazer experiências e desbravar novos lugares. Ele nunca precisou de companhia para brincar. Quando quer que eu participe, tenho que entrar no seu mundo, como num teatro ou filme e ele fica muito bravo e reclama quando não entro de cabeça no seu mundo de fantasia. Diz que estou estragando tudo.

Sem levantar a cabeça, olhei-o nos olhos, comovido com a pergunta. Não queira falar qualquer besteira só para saciar a curiosidade do pequeno e voltar para a minha refeição. Senti que era um momento único e decisivo. Talvez dessa resposta, da honestidade dela dependeria a amizade e confiança entre pai e filho para o resto da vida. E foi nesse nosso diálogo, honesto, sincero e fraterno que tive uma grande revelação:

- Papai!

- Diga filho.

- Por que a gente nasce?

(pausa)

- Boa pergunta filhinho! Essa é uma pergunta muito difícil. Na verdade o papai não sabe.

O pequeno vira as costas volta para a sala e depois de alguns segundos volta e diz:

- Papai eu sei a resposta! A gente nasce para cuidar do planeta e de tudo o que tem dentro dele.

Abri um sorriso e muito feliz em ouvir a sua resposta, respondi:

- Concordo filho, deve ser para isso mesmo que nascemos.

Ser pai é um o privilégio. É ser o aprendiz e ter uma criança como mestre.



sexta-feira, 22 de março de 2013

Uma Certa Manhã de Verão.


Ele acorda se espreguiça na cama, sente os músculos, as pernas, a luminosidade da manhã entra pela sua retina. É um novo dia que começa, mas ele não quer esse dia, ele não quer esse recomeço. Depois de passar por tantas coisas, de renascer para a vida, o medo invade seu coração, o apego por um contexto que não existe mais é mais forte. Vem uma vontade de chorar, de dormir e não acordar mais.
O céu lá fora esta de um azul lívido, claro, sem nuvens, ele pensa “que dia lindo”, mas em seu coração existe uma cicatriz, a vida lhe deu essa cicatriz, ele não reclama, mas tem vontade. Aos quarenta anos, se sente incompleto, ele sente em seu coração que não cumpriu aquele sonho besta de vinte anos atrás, aquelas coisas fantasiosas que imaginamos aos vinte anos, sucesso profissional, uma família linda, uma esposa maravilhosa, etc. Não que não tivesse filhos e nem uma situação financeira estável, não era rico e nem pobre, mas, estava, por um capricho do destino, no mesmo quarto de vinte anos atrás, só.
 A cabeça está envolta em vários sentimentos, pensa; “mas eu sobrevivi a minha doença, estou vivo”, para logo depois pensar que talvez tivesse sido melhor ter morrido. Ele se lembra de quando achava bonito morrer jovem, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Cazuza, Janis Joplin, vários heróis do rock que ele tanto gostava se foram cedo.  Nunca teve medo da morte, talvez por isso não dê muito valor ao fato de tê-la vencido, de ter se curado. Mas, descobrir um tumor aos trinta e nove anos, o deixou diferente, a doença em si era muito maior do que a morte, um cara que é saudável, ou pelo menos aparenta estar saudável, é que é ainda jovem, toma uma porrada na cara quando dizem que ele tem um tumor e pode ser fatal. “Porque comigo será um carma, eu mesmo criei esse monstro dentro da cabeça?” Mas na verdade ter descoberto o tumor não foi nada perto de tudo o que mudou em sua vida. Sua forma de ver a vida mudou completamente, a cura mudou sua percepção das coisas, seu casamento que chegou ao fim, seus filhos que eram um peso em sua vida e passaram a ser o maior tesouro que já pôde ter.
Nesse dia claro e quente de verão esse homem de quarenta anos de idade está enfrentando o desconhecido, o novo, todas as possibilidades que a vida pode lhe oferecer, possibilidades que até alguns meses atrás sempre estiveram à sua frente, mas ,ele não via, estava cego, e agora, enxerga. Vê as possibilidades, vê as responsabilidades que adquiriu, sente o um amor incondicional pelos filhos, pela família, pelos amigos, pela própria vida em si e tudo isso junto o aterroriza. Nessa manhã ele sente que precisa fazer uma escolha, precisa tomar um rumo, que não pode desperdiçar a chance que a vida está dando, após uma difícil cirurgia, um pós-operatório bem deprimente, difícil, que o deixou mais fragilizado e exposto do que jamais esteve ou vai viver tendo pena de si mesmo cristalizado na nostalgia de um passado que não vai voltar mais, chorando pelo “amor perdido, pelos erros do passado”, ou, pode fazer o mais difícil.
O mais difícil é tomar as rédeas do seu caminho, deixar de ter pena de si, perdoar a si mesmo, seus próprios erros, olhar para dentro da própria alma e enxergar o seu lado sombrio, reconhecê-lo, perdoá-lo, levantar a cabeça e seguir em frente. A inércia o empurra para a primeira opção, mas ele se lembra de quem era quando criança e jovem, nunca jogou esse jogo; o de ser vítima de si mesmo. Essa é a pior derrota, a mais comum também. Na verdade esse processo mental todo já vinha se desenrolando em sua cabeça há algumas semanas, mas nessa manhã em particular, tomou uma urgência descomunal.
Após tomar banho, se vestir e comer o desjejum, ao sair de sua casa a vida estava à sua frente, gritando, escancarada, obrigando-o a decidir-se, a dar o primeiro passo desse verdadeiro despertar para uma plenitude que ele talvez nunca tenha vivido. E foi essa urgência, inexplicável, profunda, da alma mesmo, que o fez pensar e dar o primeiro passo; “eu fiz o meu melhor, talvez não tenha sido o suficiente, eu me perdoo por isso e vou levantar a minha cabeça, agora mesmo vou começar uma nova vida, farei melhor ainda, porque esses erros do passado não mais os cometerei. Está decidido que a busca da felicidade será retomada, amarei mais, me dedicarei mais àqueles que amo, eu explorarei todas as possibilidades que a vida me oferecer, sou grato por poder ver agora, aos quarenta anos de idade, que a vida é magia pura, é uma viagem fantástica, sublime, divina, iluminada.”

Nessa manhã, ao sair para trabalho, ele deu o primeiro passo de uma vida renovada, consciente, ele nunca se sentiu tão jovem, tão poderoso, o livro estava novamente aberto, as páginas em branco e ele começava a escrever as primeiras palavras.