sexta-feira, 22 de março de 2013

Uma Certa Manhã de Verão.


Ele acorda se espreguiça na cama, sente os músculos, as pernas, a luminosidade da manhã entra pela sua retina. É um novo dia que começa, mas ele não quer esse dia, ele não quer esse recomeço. Depois de passar por tantas coisas, de renascer para a vida, o medo invade seu coração, o apego por um contexto que não existe mais é mais forte. Vem uma vontade de chorar, de dormir e não acordar mais.
O céu lá fora esta de um azul lívido, claro, sem nuvens, ele pensa “que dia lindo”, mas em seu coração existe uma cicatriz, a vida lhe deu essa cicatriz, ele não reclama, mas tem vontade. Aos quarenta anos, se sente incompleto, ele sente em seu coração que não cumpriu aquele sonho besta de vinte anos atrás, aquelas coisas fantasiosas que imaginamos aos vinte anos, sucesso profissional, uma família linda, uma esposa maravilhosa, etc. Não que não tivesse filhos e nem uma situação financeira estável, não era rico e nem pobre, mas, estava, por um capricho do destino, no mesmo quarto de vinte anos atrás, só.
 A cabeça está envolta em vários sentimentos, pensa; “mas eu sobrevivi a minha doença, estou vivo”, para logo depois pensar que talvez tivesse sido melhor ter morrido. Ele se lembra de quando achava bonito morrer jovem, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Cazuza, Janis Joplin, vários heróis do rock que ele tanto gostava se foram cedo.  Nunca teve medo da morte, talvez por isso não dê muito valor ao fato de tê-la vencido, de ter se curado. Mas, descobrir um tumor aos trinta e nove anos, o deixou diferente, a doença em si era muito maior do que a morte, um cara que é saudável, ou pelo menos aparenta estar saudável, é que é ainda jovem, toma uma porrada na cara quando dizem que ele tem um tumor e pode ser fatal. “Porque comigo será um carma, eu mesmo criei esse monstro dentro da cabeça?” Mas na verdade ter descoberto o tumor não foi nada perto de tudo o que mudou em sua vida. Sua forma de ver a vida mudou completamente, a cura mudou sua percepção das coisas, seu casamento que chegou ao fim, seus filhos que eram um peso em sua vida e passaram a ser o maior tesouro que já pôde ter.
Nesse dia claro e quente de verão esse homem de quarenta anos de idade está enfrentando o desconhecido, o novo, todas as possibilidades que a vida pode lhe oferecer, possibilidades que até alguns meses atrás sempre estiveram à sua frente, mas ,ele não via, estava cego, e agora, enxerga. Vê as possibilidades, vê as responsabilidades que adquiriu, sente o um amor incondicional pelos filhos, pela família, pelos amigos, pela própria vida em si e tudo isso junto o aterroriza. Nessa manhã ele sente que precisa fazer uma escolha, precisa tomar um rumo, que não pode desperdiçar a chance que a vida está dando, após uma difícil cirurgia, um pós-operatório bem deprimente, difícil, que o deixou mais fragilizado e exposto do que jamais esteve ou vai viver tendo pena de si mesmo cristalizado na nostalgia de um passado que não vai voltar mais, chorando pelo “amor perdido, pelos erros do passado”, ou, pode fazer o mais difícil.
O mais difícil é tomar as rédeas do seu caminho, deixar de ter pena de si, perdoar a si mesmo, seus próprios erros, olhar para dentro da própria alma e enxergar o seu lado sombrio, reconhecê-lo, perdoá-lo, levantar a cabeça e seguir em frente. A inércia o empurra para a primeira opção, mas ele se lembra de quem era quando criança e jovem, nunca jogou esse jogo; o de ser vítima de si mesmo. Essa é a pior derrota, a mais comum também. Na verdade esse processo mental todo já vinha se desenrolando em sua cabeça há algumas semanas, mas nessa manhã em particular, tomou uma urgência descomunal.
Após tomar banho, se vestir e comer o desjejum, ao sair de sua casa a vida estava à sua frente, gritando, escancarada, obrigando-o a decidir-se, a dar o primeiro passo desse verdadeiro despertar para uma plenitude que ele talvez nunca tenha vivido. E foi essa urgência, inexplicável, profunda, da alma mesmo, que o fez pensar e dar o primeiro passo; “eu fiz o meu melhor, talvez não tenha sido o suficiente, eu me perdoo por isso e vou levantar a minha cabeça, agora mesmo vou começar uma nova vida, farei melhor ainda, porque esses erros do passado não mais os cometerei. Está decidido que a busca da felicidade será retomada, amarei mais, me dedicarei mais àqueles que amo, eu explorarei todas as possibilidades que a vida me oferecer, sou grato por poder ver agora, aos quarenta anos de idade, que a vida é magia pura, é uma viagem fantástica, sublime, divina, iluminada.”

Nessa manhã, ao sair para trabalho, ele deu o primeiro passo de uma vida renovada, consciente, ele nunca se sentiu tão jovem, tão poderoso, o livro estava novamente aberto, as páginas em branco e ele começava a escrever as primeiras palavras.

11 comentários:

  1. Querido, fiquei muito emocionada com seu texto: me fez chorar... Que esse recomeço não nos exclua, porque o amamos muito. Beijão e carinho da eterna sogra (sogras são para sempre, viu?!) .

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  2. Texto lindo e me tocou fundo. Poucos tem o dom de colocar no papel de forma tão clara e poética o que lhe vai no fundo da alma. Nossa vida é um eterno reavaliar e recomeçar. Li também o outro texto - Papai porque a gente nasce? e gostei muito.Parabéns pelo Blog!

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  3. tem um Mestre que chama esses balanços de crises oportunas. Só quem passa sabe a dimensão deles, a profundidade dos sentimentos que bate na alma. Muitas vezes doi, doi muito, é como uma amputação, pois são nossos Eus, idealizações, que estão indo. Estão sendo arrancados pela Vida! E só poderia ser assim mesmo, pois para doer nesse tanto, dificilmente abriríamos por conta própria dassa fixação no efêmero, eternizada por nossos medos e apegos. E o interessante é que muitas vezes estamos fixados naquilo que nem é tão bom assim, em prisões, em relações desgastadas, em vícios, mas que dão ao menos sensação de segurança e identidade.
    Amigo, o amor as vezes opera assim:
    "Ele vos debulha para expor vossa nudez.
    Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
    Ele vos mói até a extrema brancura.
    Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
    Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
    No pão místico do banquete divino."
    Quando a nuvem passa, dá para perceber que o céu sempre esteve lá.
    Querido, tenho certeza que esta vivendo uma passagem muito valiosa. Desejo Vida, Paz, Amor e Saude para ti.
    http://www.starnews2001.com.br/kahlil/gibran_love.html
    beijão

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Me lembrou o momento de quando, após o barco afundar em alto mar, meu corpo ser espancado contra as rochas, eu ter nadado por quase uma hora, ter remado mais um tanto numa canoa, e, enfim, chegado em terra firme, mesmo assim ainda ter quase sufocado sem ar ao iniciar a trilha na floresta, parei para respirar num bosque que me recebia naquele instante. Houve um silêncio, como nunca houve antes. E o silêncio era dentro. Olhei o mar, a mata verde, meu corpo todo escoriado... Pensei, ou fui pensada?: "Começou de novo!". Mas... Esse ânimo veio, foi embora, voltou, secou, transbordou... A caminhada é agora e sempre. A renovação desses votos deve ser feita sempre. Pois assim como estão todas as possibilidade, todos os desafios estão à espreita pra nos testar. Até que estamos tão firmes na caminhada, que não precisamos mais deles. Será? Bjs...
    Madhuri.

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  6. "Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim." as palavras do Chico Xavier ecoaram em minha cabeça ao terminar de ler o seu primeiro post.
    Terminei com lágrimas nos olhos emocionado com a sua historia e os comentários da família.
    Família que como a Dea mesmo disse sempre será a família, e o de sogra eterna é verdade mesmo, ela esta sempre por perto oferecendo um carinho mesmo que a distancia física seja grande.
    No meu caso certas coisas tomaram seu tempo para se ajeitar, certas mudanças ocorreram e me ajudaram em seu devido momento, mas na essência tudo seguiu como estava e lá estavam todos de braços abertos para me receber.
    Forte abraço irmão e força na caminhada, a batalhada mais dura você já venceu!

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  7. Acredito que ninguém escape das cobranças que o tempo, idade e escolhas trazem.
    Recomeçar deixa de se tornar um fardo quando voltamos a brincar de faz de conta. "Faz de conta que só existe esse momento agora. Faz de conta que você tem esse presente. Então, viva-o da melhor maneira. Faz de conta que o passado não existe". Brincando de faz de conta acabamos conseguindo fazer uma das tarefas mais importantes da vida: Viver o agora.
    "Não se deve apontar uma espada para a cabeça de quem pediu perdão."
    Que bom que vc se absolveu.

    Beijos.

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  8. André,
    Já tive a oportunidade de lhe dizer que admiro sua coragem, sua vontade de viver e o guerreiro que você é!
    Voltei aqui pra reler seu texto e acabei juntando Pimenta, 20 anos, Lonely's Heart, Fixing a Hole, Getting Better e cheguei neste presente pra você: http://www.youtube.com/watch?v=1T5fqLBhZgo
    So Mr. Pepper, you get by with a little help from your friends!!
    Cheiro da Bahia!!!

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  9. Oi, André! A Vivi Ayres recomendou seu texto e eu vim espiar. Na verdade, vim espiar você expiar, desnudar-se, renascer. Corajoso! Sim, desconstruir para reconstruir exige uma boa dose de coragem. Sabe, desde o começo do ano, também tenho sentido a vida pedindo urgência. Talvez devido a alguns episódios pelos quais eu esteja passando, onde a morte espreita da esquina, tenha a vaga noção do que você esteja vivendo agora. Digo vaga, respeitando o seu processo que, assim feito o meu, é único, mas que essencialmente nos remete a um só lugar: ao autoconhecimento. Bem vindo ao seu novo e rico mundo de possibilidades!

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  10. Ai, André... verdade verdadeira tudo isso...ainda estou aqui no processo, mas o dia continua cinzento e chuvoso, com muitas trovoadas, ainda bem que algumas amigas me resgataram hoje! Adoro você e como escreve. Bjs

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  11. Agora chegou o momento de viver aquele sonho besta de 20 anos atrás... Te adoro

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